O papel do Espiritismo na promoção da paz e da tolerância religiosa

Rafaela Paes de Campos

O Espiritismo é uma Doutrina que busca a compreensão dos fenômenos espirituais sempre à luz da razão e da ciência, ao mesmo tempo em que olha do ponto de vista filosófico e moral para a vida humana. Mesmo não se configurando como uma religião no sentido tradicional, intrínseca está sua atuação em prol da harmonia, do entendimento e do respeito entre todos, seja nas relações interpessoais, seja no aspecto religioso da vida.

A postura ecumênica e inclusiva da Doutrina Espírita incentiva todos ao respeito às diferentes formas de crer, pois, jamais, se coloca na posição de verdade absoluta. Kardec sempre deixou claro que o conhecimento espiritual não é exclusividade de uma única religião, e a maneira pela qual se deu a Codificação é um exemplo disso, não estando restrita a apenas uma pessoa.

A religião traduz-se num meio de simpatia para que atinjamos um objetivo comum: Sermos boas pessoas, praticando o bem e crescendo espiritualmente. A estrada de crença que se toma, neste caso, é indiferente, desde que pratiquemos aquilo que toda religião nos ensina de bom. A estrada é diferente, mas o ponto de chegada é o mesmo. Conforme nos leciona O Evangelho Segundo o Espiritismo, "o objetivo da religião é conduzir a Deus o homem” (KARDEC, 2023, p. 114).

O reconhecimento respeitoso da diversidade religiosa contribui de forma direta para a propagação da tolerância, pois aceita as diferenças sem quaisquer juízos de valor, mas sim como uma busca comum pela elevação espiritual que todos almejamos.

A paz é o resultado do cultivo da harmonia interna e de boas relações pessoais, estas fundamentadas no amor ao próximo e na prática despretensiosa da caridade. Sendo assim, a paz começa individualmente, em cada um de nós, refletindo-se na sociedade em que nos inserimos e no mundo, por que não?

A caridade, inclusive, sendo um dos grandes ensinamentos propagados pelo Espiritismo, uma virtude fundamental, nos incita a praticar o bem sem discriminar quem quer que seja por conta de sua origem, classe social, orientação sexual ou crença. A busca é pela prática da paz em todas as relações, ofertando exemplar respeito e tolerância aos nossos irmãos: A Humanidade como um todo.

Muito embora o Espiritismo volte seus ensinamentos à paz e à tolerância, não se pode esquecer a realidade de que o mundo enfrenta desafios significativos no que tange a intolerância religiosa. Tal situação é, sem sombra de dúvidas, fruto de total desconhecimento, do qual sempre nasce o preconceito, mormente em relação às religiões de matriz africana. Essa situação é oriunda de raízes muito profundas, baseadas em fatores históricos, sociais e culturais que, infelizmente, ainda perduram no pensamento da sociedade.

Brilhante resumo do que a intolerância nos traz a citação a seguir:

A história da humanidade é, também, a história da sua inabilidade para conviver com outro, com o diferente. Os preconceitos que geram a intolerância nutrem-se de alimentos abundantes como o desconhecimento, o desrespeito e a indiferença. A intolerância religiosa, por sua vez, está entre as formas de preconceito mais violentas, pois fere o homem no seu aspecto moral mais profundo ao rejeitar sua concepção ontológica, gerando reações muitas vezes imprevisíveis. Nestes casos, as religiões podem deixar de ser “caminhos para os céus” para se tornarem em verdadeiros “atalhos para o inferno”, ao se proporem o monopólio da “verdade’ ou da noção de deus (SILVA, 2007, orelha).

Neste ponto, não podemos nos furtar de dizer que esse preconceito se estende aos Espíritos que mais comumente trabalham junto aos cultos de matriz africana, como Exus, Pombagiras, Pretos Velhos, dentre outros. E ainda, não podemos deixar de dizer que, muito embora o Espiritismo tenha em seu âmago os objetivos anteriormente elencados, na prática nem sempre é o que ocorre.

O Espiritismo é diverso do Movimento Espírita, não se confundem a Doutrina e as pessoas que a ela são adeptas. Seres humanos são falhos, alguns Espíritas, igualmente. Não são raros relatos de que os Espíritos mencionados precisam mudar a sua aparência para conseguirem transmitir as suas mensagens em Centros Espíritas.

É, obviamente, mais uma manifestação de intolerância. Por que freiras, padres, médicos têm livre acesso às reuniões mediúnicas, mas os Espíritos citados acima, não? Não existe outra resposta senão o preconceito.

É necessário reconhecer que toda religião é livre para ser o que é, desde que, claro, propague o bem; por consequência, racionalmente se compreende que ainda mais livre é a Espiritualidade. E mais que isso, todos os Espíritos têm papeis importantes a desempenhar, bem como lições edificantes e consoladoras a oferecer.

Não é a aparência o fator predominante para a qualidade das comunicações, mas sim a sabedoria, a elevação moral e espiritual do Espírito comunicante. Assim como na Terra há pessoas humildes e extremamente sábias, e outras poderosas e com moral pífia, o mesmo ocorre com a Espiritualidade.

A superação dessas situações de preconceito exige um esforço de educação, conscientização e diálogo, de forma a compreender todas as nuances daquilo que se desconhece. Nenhum de nós é detentor de todo o saber e, na verdade, quando se acha que sabe tudo, é preciso voltar ao começo e reaprender! Inclusive àqueles que costumam usar a argumentação de que estudam as Obras Básicas há anos... indica-se mais uma leitura!

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Referências:

1- KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, tradução de Guillon Ribeiro. Campos dos Goytacazes/RJ: Editora Letra Espírita, 2023.

2- SILVA, V. G. da (org). Intolerância religiosa: Impactos do Neopentecostalismo no Campo Religioso Afro-brasileiro. Ari Pedro Oro ...et all. São Paulo: Edusp, 2007.

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