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Por que sofremos com doenças como o câncer?


Andresa Kuster e Rodrigo Oliveira


A crença na reencarnação, ponto que distingue o Espiritismo da maioria das demais religiões seguidas no Brasil, atribui ao próprio indivíduo a responsabilidade pelas situações difíceis enfrentadas na atual existência. Dentre estes desafios, a forma como cada pessoa e seus familiares vivenciam as dificuldades inerentes a um tratamento contra o câncer, faz parte de seu relacionamento interpessoal e de sua caminhada evolutiva. Como sugestão para estes momentos, o Evangelho Segundo o Espiritismo desaconselha a revolta, pois ela costuma aumentar o grau de dificuldade, quando nos deparamos com problemas inerentes à vida terrena. Assim sendo, o entendimento é de que afastar-se de Deus não ajuda. Considera-se que as dificuldades enfrentadas podem fazer parte do planejamento das respectivas vidas terrenas como parte dos processos de aprimoramento espiritual:


“Um Espírito pode, pois, ter adquirido certo grau de elevação, mas, desejando adiantar-se mais, solicita uma missão, uma tarefa a cumprir, da qual, se sair vitorioso, será tanto mais recompensado, quanto mais penosa tiver sido a luta. Tais são, mais especificamente, pessoas de tendências naturalmente boas, de alma elevada, sentimentos nobres inatos, que parecem não ter trazido nada de mau de sua existência precedente, e que superam com resignação cristã as maiores dores, pedindo a Deus para suportá-las sem reclamar. Pode-se, ao contrário, considerar como expiações as aflições que provocam reclamações e levam o homem à revolta contra Deus.” (KARDEC, 2018a, p.64)


Em obras produzidas por autores espíritas, é comum que surjam explicações, para ilustrar de que maneira as faltas cometidas em existências anteriores levam a pessoa a atravessar moléstias graves, como forma de expiação. São recorrentes os romances que narram reencarnações marcadas por problemas físicos, que funcionam como reparação do mal causado a algum semelhante em vidas pretéritas. Assim, quando uma pessoa tira a vida de outra, danificando algum órgão vital, pode reencarnar com a expectativa de desenvolver doenças que prejudiquem o funcionamento de parte similar do seu corpo físico.


Em outros casos, o descuido com a saúde na atual existência, sobretudo quando o indivíduo se deixa levar pelos vícios, podem gerar problemas ainda nos derradeiros anos de vida terrena. Um exemplo bastante conhecido é o do médico André Luiz, que trabalhou com Chico Xavier na produção da série que se inicia com o livro Nosso Lar. Após a morte do corpo físico, causada por excessos que lhe minaram a saúde, o personagem passa por um período no umbral, antes de ser resgatado e direcionado a uma colônia espiritual, onde receberia tratamento. A situação mostra que o períspirito leva para o além-túmulo as marcas das enfermidades causadas pelos maus hábitos, os quais neste caso lhe causaram oclusões no intestino:


“Vejamos a zona intestinal — disse — a oclusão derivava de elementos cancerosos, e estes, por sua vez, de algumas leviandades do meu estimado irmão, no campo da sífilis. A moléstia talvez não assumisse características tão graves se o seu procedimento mental no planeta estivesse enquadrado nos princípios da fraternidade e da temperança. Entretanto, seu modo especial de conviver, muitas vezes exasperado e sombrio, captava destruidoras vibrações naqueles que o ouviam. Nunca imaginou que a cólera fosse manancial de forças negativas para nós mesmos? A ausência de autodomínio, a inadvertência no trato com os semelhantes, aos quais muitas vezes ofendeu sem refletir, conduziam-no, frequentemente, à esfera dos seres doentes e inferiores. Tal circunstância agravou em muito o seu estado físico.” (XAVIER, 2017, p.32)


Quando citamos a situação enfrentada por André Luiz, que passou 40 dias em tratamento em um hospital antes de sucumbir ao câncer, não é possível comparar o tratamento daquela época com a situação enfrentada pelos pacientes atuais. Todavia, mesmo com os avanços da medicina, que modernizaram as técnicas adotadas, os efeitos colaterais enfrentados atualmente, em busca de uma possível cura, implicam em dolorosas vivências. O doente e os familiares são diretamente afetados pela situação, com grande impacto sob o ponto de vista emocional. Consideramos que tais provações, além de poderem ser atribuídas a faltas cometidas em vidas passadas, trazem uma oportunidade para que o sofrimento dos envolvidos sirva como motivação para que possam aproximar-se de Deus e para que sejam levados a dar menos valor às questões materiais. Ao tratar do tema no capítulo VI de O Livro dos Espíritos, Kardec apresenta as seguintes considerações:


“A doutrina da liberdade de escolha de nossas existências e das provações às quais nós devemos submeter deixa de parecer extraordinária, se considerarmos que os Espíritos livres da matéria apreciam as coisas de maneira diferente da nossa. Eles têm consciência do objetivo que devem atingir, e isso lhes parece muito mais importante que os prazeres fugazes do mundo. Após cada existência, veem o passo que deram, e compreendem o quanto ainda lhes falta para alcançar a pureza: eis por que se submetem voluntariamente a todas as vicissitudes da vida corporal e pedem, eles mesmos, as provações que possam fazê-los chegar mais rápido ao objetivo. Portanto, não há razão para se espantar com o fato de não se ver o Espírito dar preferência à existência mais suave. Em seu estado de imperfeição, ele não pode gozar de uma vida isenta de amarguras; ele a entrevê, e é para conquistá-la que procura melhorar.” (KARDEC, 2018b, p.127)


Os ensinamentos da Doutrina Espírita nos transmitem a mensagem de que a Terra é um local onde estagiam Espíritos não elevados. Logo, podemos nos considerar criaturas possuidoras de compromissos, que implicam em uma vida marcada pelas dificuldades de toda ordem, vivendo em um planeta de provas e expiações. A partir disso, se concluí que a felicidade plena não faz parte dessa realidade, entendimento que facilita a compreensão das palavras de Jesus ao dizer que “O meu Reino não é deste Mundo”. Tendo consciência dos motivos pelos quais vivemos em um mundo assim podemos considerar que os casos de câncer e outras doenças de difícil tratamento são ocorrências naturais. São ferramentas que nos possibilitam evoluir ao enfrentar o sofrimento que advém das nossas próprias escolhas.


KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Matheus Rodrigues de Camargo, (com base na 11ª edição francesa, de 1869) 1ª ed. 42ª reimpressão. Capivari-SP: Editora EME, 2018a.


KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Matheus Rodrigues de Camargo, 1ª ed. 22ª reimpressão. Capivari-SP: Editora EME, 2018b.


XAVIER, Francisco Cândido. Nosso Lar. Pelo Espírito André Luiz 64ª ed. 10ª impressão. Brasília: FEB, 2017.

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